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Aboxonado: 50% bobo, 50% apaixonado


A paixão é vista como uma força da natureza humana que nos impulsiona a agir e a buscar a realização de nossos desejos e projetos pessoais. É um estado emocional intenso e duradouro que envolve a atração e o desejo por uma pessoa, atividade ou objeto; uma emoção complexa que envolve a ativação de várias áreas do cérebro e também do sistema endócrino; está associada a mudanças na liberação de neurotransmissores e no processamento de informações emocionais e tomada de decisão que envolve a ativação de várias áreas do cérebro, incluindo o córtex pré-frontal, o sistema límbico e o sistema de recompensa.

“Não te procurei, não me procurastes –
íamos sozinhos por estradas diferentes.
Indiferentes, cruzamos
Passavas com o fardo da vida…
Corri ao teu encontro.
Sorri. Falamos.”

(Cora Coralina)

 

 
"A

ntes, tudo era silêncio, nu e imóvel. Agora tudo é precioso, tudo tem valor, por causa do amor e da paixão. ”
Foi recorrendo à Mitologia, que Leonardo Boff (2003), valeu-se do mito de Eros – a mais antiga e benevolente divindade mitológica da Grécia Antiga, tida como responsável pelo sentido e pela preciosidade da vida pela alegria e a razão de viver – para explicar o efeito que essa impressionante força da Natureza chamada Amor tem no psiché dos seres humanos. (1)
No ser profundamente apaixonado, a energia que emerge da simples lembrança do ser amado é capaz de depositar um grande “sim” numa mente onde antes haviam “nãos” e “talvezes”.

Mesmo sendo psicólogo em atividade profissional ininterrupta há 34 anos, toda vez que me deparo com os depoimentos de um paciente genuinamente apaixonado, fico impressionado com a força, o lirismo e a capacidade de reparação que surgem lá do fundo da alma quando o amor se torna operante.

APAIXONADO, BOBO E APAVORADO
Foi assim que um homem de 60 anos se definiu diante dos sentimentos que emergiam com força do sítio mais recôndito e profundo da sua mente, ao encontrar-se, por acaso, com uma bela mulher de 42 anos. “ – Quando a vi o mundo inteiro ao redor sumiu. Por um ou dois segundos todo meu universo era eu e ela somente. Então soube que minha vida já não mais pertencia somente a mim. ”

Isso ocorre porque a paixão pode afetar a forma como processamos as informações e as emoções. Quando observamos o funcionamento cerebral durante um estado de paixão o cérebro "assemelha-se a um estado de grande motivação e prazer, com características de demência temporária, estresse, obsessão e compulsão". Dois hormônios têm um papel importante durante a paixão: a ocitocina e a vasopressina cujas ações no Sistema Nervoso Central (SNC) gera uma conexão - um apego - e a preferência que o sujeito apaixonado tem por 'aquela' pessoa; geram uma forma particular de preferência 'por aquela pessoa específica, "ignorando" as outras: o ser apaixonado fica extremamente ligado à pessoa por quem se apaixonou tornando-a mais saliente, mais destacada, mais importante e mais relevante que qualquer outra pessoa. Isso explica o fato de percebermos 'aquela pessoa' como única e insubstituível. cf. (Calabrez, P. in Barros Filho, 2018)

Quando estamos apaixonados, tendemos a focar mais nos aspectos positivos da pessoa que amamos, ignorando ou minimizando seus defeitos ou características negativas. Isso pode levar a um estado de idealização e romantização, o que pode fazer com que as pessoas fiquem "bobas" ou um tanto irrealistas em relação à pessoa amada. Pode, também, fazer com que o amante vivencie algum sentimento de vulnerabilidade pois imagina sua alma exposta em relação àquele ser objeto do seu amor.

"Dizemos que um ser humano tem, originalmente dois objetos sexuais e, ao fazê-lo, estamos postulando a existência de um narcisismo primário em todos, o qual, em alguns casos pode manifestar-se de forma dominante em sua escolha objetal. (...) O amor objetal completo do tipo de ligação (...) exibe acentuada supervalorização sexual que se origina, sem dúvida, do narcisismo original da criança, correspondendo assim a uma transferência desse narcisismo para o objeto sexual. Essa supervalorização sexual é a origem do estado peculiar de uma pessoa apaixonada, um estado que sugere uma compulsão neurótica, cuja origem pode, portanto, ser encontrada num empobrecimento do ego em relação à libido em favor do objeto amoroso." (Freud, 1914)

Esse poder revolucionário – ou neurorrevolucionário? – é vivenciado como uma "revolução"; tem a “força de um movimento coletivo, só que realizado a dois”. (Cf. Alberoni, 1981) Assim operando, é nessa ordem de grandeza que esta maravilhosa força da natureza humana. - ou deveria dizer força divina, sobrenatural? – o Amor realiza uma verdadeira revolução na mente daqueles que têm a coragem de se entregar a ele.
"O Amor é entre os deuses o mais antigo. E sendo mais antigo é para nós a causa dos maiores bens" (Platão. O Banquete.385 a.C)

O enamoramento apaixonado é um poderoso catalisador, uma espécie de “curto circuito” que, como a calha do leito de um rio caudaloso, dá vazão a nada mais nada menos que a própria pulsão de vida (cf. Freud, S. 1915; 1930) que é uma força primária ligada à sobrevivência, à reprodução e à realização pessoal. Isso se deve a um espetacular aumento de outro neurotransmissor, a dopamina e a um "bloqueio" de uma região cerebral denominada Córtex Pré-frontal: a paixão gera motivação e prazer quanto entramos em contato ou quando simplesmente lembramos da pessoa por quem estamos apaixonados; com a inibição do pré-frontal, ficamos mais impulsivos e nossa capacidade de raciocinar friamente fica diminuída.
Trata-se, portanto, de algo que veio sendo amealhado ao longo de toda a evolução da espécie: “ O amor é a resposta da seleção natural ao paradoxo do banqueiro (3); é a emoção que torna alguém insubstituível. O amor demonstra a capacidade que o ser humano tem de se comprometer, transcendendo aquele ‘o que você fez por mim ultimamente?’, e desmentindo a teoria do egoísmo universal.” (Seligman,2004:208)

“Se a razão reprimir a paixão, triunfa a rigidez, a tirania da ordem e a ética utilitária. Se a paixão dispensar a razão, vigora o delírio das pulsões e a ética hedonista, do puro prazer. Mas, se vigorar a justa medida e a paixão se servir da razão para um autodesenvolvimento regrado, então emergem as duas forças que sustentam uma ética humanitária: a ternura e o vigor.” (Leonardo Boff, 2003)
Aquele que já teve a oportunidade e a coragem de se apaixonar sabe, na própria pele, até que extremo pode ser forte o poder que tem essa dialética dramática entre paixão e razão. “ O [ser humano] tem a impressão de estar sendo dominado por forças que não reconhece como suas; forças que o arrastam e que ele não consegue controlar (...) sente-se transportado a um mundo diferente daquele em que vive sua existência privada. ” (Alberoni,1981)
Para aquele que teve a coragem de se permitir essa erupção de emoções, sabe que Leonardo Boff está certíssimo e que a descrição acima é muito precisa: buscar o autodesenvolvimento regrado para alcançar a ternura de forma vigorosa.
Eis aqui o enunciado da renovação da esperança no atingimento da Felicidade Autêntica (2) . Para que isso ocorra “é necessário que os ideais que provocam em nós altas emoções se aprofundem na alma [e isso se consegue] através da meditação continuada para que a paixão se cristalize em convicção e, a partir daí, em decisões concretas e exequíveis”. (adaptado de Fuentes.R.2019)
De fato: a Psicologia Positiva é elevada a um nível superior quando, na vida dessa pessoa, coincide o Amor.

 

 

(Este texto foi fruto de um profícuo Diálogo Socrático realizado em 12/04/2023 com a graduanda em Psicologia Renata Sanches de Souza, a quem dedico este artigo.)

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(1) Uma Ética para os Dias Atuais. Boff, L. 2003. – Press Release para Folha de S. Paulo

(2) Conforme Martin Seligman, 2002, 2004

(3) O paradoxo do banqueiro diz que, num mundo governado pelo Homo economicus,  aquele que menos precisa do dineheiro conseguirá mais facilmente um empréstimo em relação àquele que mais necessita.

Para referir: MAXIMINO, MR . Aboxonado: 50% Bobo 50% Apaixonado. disponível em www.marcosmaximino.psc.br/marcosmaximino/acesso em dd/mm/aaaa.

Publicado em : 12/04/2023 ; atualizado em: 29/06/2023

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